*FLOR DE SAL – Autor: Clayton de Souza
(escrito entre 10 e 11 de junho de 2015)
– Sei não Pascoal, isso vai dar merda…
– Relaxa Genésio, deixa comigo que eu consigo a parada.
– Como posso relaxar? E se a gente for em cana?
– Genésio… oh Genésio… Meu Deus do céu… puta que pariu Genésio! Consumo não dá cana, você não conhece a lei? Além do mais eu sei aonde conseguir sem problema… É de boa, o cara é meu avião já há um mês, desde que ficou proibido a parada. Fica tranquilo, meu irmão, você acha que eu ia te colocar numa fria?
– Sei não Pascoal, isso vai dar merda…
– Porra Genésio! Diz aí, somos amigos há quanto tempo? Diz aí… muito tempo, né? Já passamos por muita parada junto, e quando foi que deu merda? Fala aí…
– Leva a mal não Pascoal, a gente é amigo de longa data, desde os tempos de escola. Passamos no concurso da prefeitura juntos, trabalhamos juntos, você foi meu padrinho de casamento, eu batizei o seu filho, somos compadres na alma… Mas isso vai dar merda…
– Vai dar porra nenhuma Genésio. Confia em mim. A não ser que você não queira experimentar, ai eu entendo. Você tá na crise da meia-idade, tem filho e mulher pra criar… eu, diferente de você, já sou divorciado, meu moleque já tá um raparigueiro… Tudo bem, se você não quer ir comigo eu vou entender…
– A questão não é essa Pascoal, tu sabe que já aprontei muito com você por aí, até mesmo depois de casado nunca faltei em hora-extra nos puteiros com você após nosso expediente na repartição. E biritada em churrasco de fim de semana sem a família, só os parceiros das antigas, sempre me fiz presente. Tu sabe que não sou de amarelar…
– Então pra quê todo esse drama agora Genésio?
– É porque sei que isso aí é coisa pesada, vai dar merda Pascoal, vai dar merda!
– Cara tu não quer ir, beleza, eu vou lá e se sobrar eu trago um pouquinho pra você…
– Não precisa Pascoal. Tranquilo…
– Tá bom… Mas em verdade vos digo compadre: nem só de tranquilidade vive o homem, a inquietação é a força motriz que nos levou ao domínio do fogo, a invenção da roda, a concepção das Pirâmides, a descoberta da eletricidade. Essa mesma inquietação nos levou à Lua, e nos agraciou a revolução das comunicações com o advento da internet: que nos deu a Netflix, o Redtube, o Xvideos e as fotos privadas do Badoo! Ah meu Deus! As fotos privadas do Badoo! Puta que pariu Genésio, você vai renegar a Darwin? O nosso destino é ousar, somos a espécie dominante do planeta, afinal de contas Genésio honre tuas bolas, mostre que é um macho-alpha e venha comigo, não seja pau-molenga! Então, você vem ou fica?
– Olha cara, eu vou, mas no fundo eu sei que isso vai dar uma merda….
– Relaxa cara, e já que será a sua primeira vez, deixa que essa eu pago.
– Isso vai dar merda….
***
40 minutos depois…
– E aí Genésio, dá uma olhada em volta. O ambiente é super família.
– É… estou vendo. Mais um motivo pra dar merda… Você acha que o cara vai querer passar a parada pra você num lugar cheio de criança acompanhada dos pais? Olha ali aquele careca bigodudo, parece o baixinho do comercial da Kaiser, lembra? Olha lá ele dando purê de batata na boca do filhinho baitola dele. Você acha mesmo que alguém em sã consciência ia desacatar uma lei federal num lugar desses?
– Rapaz, deixa de criar problema. Vá por mim, o melhor lugar é aonde não se levanta suspeita, esse restaurante aqui é barra limpa. Tô falando, tem um garçom aqui que me arruma a parada por um preço legal. Eu pego direto com ele. Você acha que indo lá no boteco do Seu Joaquim a gente ia estar mais sossegado? Se liga Genésio, os homi não cola aqui não. Agora lá no Seu Joaquim não tem um dia pra não pintar sujeira. É revista geral, lá é manjado.
– Mas Pascoal e esse garçom aí que tu falou, ele não sai dando com a língua nos dentes não?
– Que é isso Genésio? Que é isso? Você acha que o garçom vai querer perder uma bocada dessas? O salário pode não ser bom aqui, mas as gorjetas que ele tira fornecendo a parada pra clientes mais exigentes e requintados como nós vale a pena o risco e o bico fechado. Né por nada não, mas outro dia eu vi ele estacionando um Corolla lá na Vieira Souto esquina com a Madureira, sabe ali aonde tem o Habib’s? Pô, o cara parou lá e desceu uma mulata com um pandeiro maior que a pança daquele careca ali do purê que você reparou… Tô falando Genésio, a parada tá gerando dinheiro pro cara, acha que ele não ia querer preservar o negócio não? Agora olha ali pro canto direito mesa 08… tá vendo ali… é o garçom que falei… aonde que um cabra feio desse vindo lá da casa do caralho na Paraíba ia dar rolé de Corolla e pegar uma mulata com um rabão da Kim Kardashian? Agora me diz Genésio! Me diz…
– Olá senhores, vocês já pediram?
– Ainda não…
– Calma Genésio… Olha parceiro nada pessoal, é que eu sempre venho aqui e quem me atende é aquele outro garçom… o Paraíba… Ai sabe como é… Você poderia pedir pra ele vir aqui nos atender assim que ele desocupar?
– Sim senhor. Falarei com ele. Com licença.
– Tá maluco Genésio, não estraga o esquema, deixa que eu falo, você quase ferrou com tudo. Ia ser atendido por outro garçom… Já falei a parada é só com o Paraíba.
– Mas Pascoal, o cara chegou aqui na mesa do nada… eu fiquei sem saber o que dizer…
– Ainda bem que eu intervi. Preste atenção, deixa que eu falo tudo. Você só come e na hora de pedir a parada, deixa comigo.
– Pascoal… isso vai dar merda, vamos embora enquanto é tempo.
– Relaxa homem. Já chegamos até aqui, agora vamos até o fim. Fica de boa que o Paraíba já tá vindo. Deixa que eu falo…
– Meu pai do céu… minha mulher vai me matar se souber o que estou fazendo….
***
– Bom dia senhores. Em que posso servi-los?
– Opa, tudo bem Paraíba?
– Tudo certo Senhor Pascoal. Muito bom revê-lo aqui em nosso restaurante.
– Ah, eu que agradeço a sua hospitalidade e o seu zelo para com os clientes mais exigentes…. A propósito esse aqui é o meu grande amigo Genésio.
– Muito prazer Senhor Genésio.
– Fala com o garçom Genésio…. Não seja pau-molenga.
– Mas você não disse pra eu ficar quieto?
– Mas não custa nada ser gentil e cumprimentar o homem Genésio… – disse Pascoal pisando no pé do seu amigo por baixo da mesa.
– Olá Seu Paraíba, me desculpe meu jeito… é que é a minha primeira vez…
– A primeira vez dele nesse restaurante… – completou Pascoal dando outro pisão no pé do seu amigo.
-Tudo bem Senhor Pascoal… Bom, seja bem-vindo Senhor Genésio, fique tranquilo que o senhor será muito bem tratado. Nossa comida é muito boa, quem come dela nunca deixa de voltar. A prova é o Senhor Pascoal, que toda semana dá uma chegada aqui.
– Verdade, não consigo viver sem esse tempero especial que só se encontra aqui… – disse Pascoal piscando o olho pro seu amigo Genésio.
– Mas então, o que vão pedir?
– Sabe Paraíba, por enquanto traz uma cerveja bem gelada com uma porção de batatinha frita, que hoje o Genésio e eu estamos de folga e resolvemos bater um papinho…
– Tudo certo, já já estarei de volta…
***
Após a saída do garçom…
– Tá vendo Genésio? Fica tranquilo…
– Tranquilo o caralho Pascoal, você de cara já me pede batatinha frita com cerveja?
– E o que é que tem Genésio?
– Vai dar merda cara, isso vai dar merda…
– Puta que pariu Genésio! Puta que pariu… Vai querer me foder agora? Não fode com a porra toda não! Você tá me entendendo?
– Pascoal tu sabe muito bem… isso vai dar merda, tu me pede batatinha frita, todo mundo vai reparar. Tu sabe muito bem da lei… É lei federal, o governo proibiu de botar saleiro nas mesas de bar, restaurante e lanchonete por causa da hipertensão do povo. Quem desobedecer pega multa de mil e trezentos contos… reincidência pode fechar o estabelecimento por perda de alvará… tu sabe que pedir pro garçom traficar o sal da cozinha pode dar merda…
– Fala baixo Genésio, relaxa, não dá bandeira porra… fica de boa que o Paraíba já vem aí…
– Aqui senhores: cervejinha gelada e uma porção de batata frita… Mais alguma coisa?
– Não, está tudo bem.
– Tudo bem o que Genésio? Tá faltando sim uma coisinha Paraíba…
– Não tá faltando nada pra mim não Pascoal….
– Mas pra mim sim Genésio…
– Não tá não Pascoal….
– Tá sim Genésio…. – e tome-lhe outro pisão no pé por debaixo da mesa.
– Senhores enquanto decidem se desejam mais alguma coisa eu posso me retirar e atender outras mesas….
– Não Paraíba, já decidimos, queremos que você leve as batatinhas pra dar um “esquenta” nelas que estão meio frias…
– Como quiser senhor….
– Mas esquenta bem… Eu e o Genésio gostamos delas bem ardentes, saca? Como na semana passada aquela bisteca que eu pedi…
– Pode deixar Senhor Pascoal, elas voltarão bem ardentes como na semana passada… Com a sua licença.
***
Cochichando, Pascoal puxa conversa com seu amigo Genésio:
– Porra Genésio você quase fodeu com tudo! Mas fica tranquilo, ele foi lá na cozinha “dá um esquenta” nas batatinhas… Cara você tem que provar… tá ligado a flor de sal?
– Flor de sal?
– Fala baixo Genésio… a flor de sal é considerada um sal gourmet, essa iguaria costuma estar presente apenas em restaurantes mais requintados, mas o Paraíba consegue trazer pra cá através de uns contatos fortes que ele tem fora do país. O tempero é obtido na camada superior das salinas antes de serem depositadas no fundo, quando, então, se transformam no sal marinho. A flor de sal é uma iguaria, ainda mais nesses tempos de proibição do consumo. A flor de sal tem uma coloração acinzentada isso se dá devido à presença de areia, mas também é comum o uso de outros elementos para alterar a cor do produto. Cara é uma parada muito doida.
– E é confiável consumir isso Pascoal?
– Genésio, claro que é confiável, porra tem um mês que eu consumo essa parada quase que diariamente, e nunca me aconteceu nada. Na primeira semana, tenho que admitir que tive
receio, fui experimentando dia sim e dia não. Mas na segunda semana em diante, cara, não teve um dia de almoço pra eu não vir aqui curtir a parada… Relaxa Genésio, já dei até uma pesquisada na net: um grama de flor de sal tem mais ou menos 450 miligramas de sódio. Já o sal comum de cozinha, tem mais ou menos 400 miligramas de sódio por grama. A parada é mais concentrada… dá um barato legal…. Com picanha… com ovo de codorna, no estrogonofe… no macarrão… mas cara, o suprassumo mesmo é na batatinha frita, por isso a pedida… Hoje meu amigo Genésio, você vai beijar o céu. Deixa o Paraíba voltar com a nossa batatinha que você vai ver… Chega mais, vem brindar aqui comigo essa gelada….
– Espero que valha a pena mesmo…
– Relaxa, que o Paraíba vem aí de novo…
– Olá senhores, aqui estão as batatinhas super quentinhas…. Espero que estejam ao gosto dos senhores.
– Deixe eu provar… Hum nossa Genésio, essas são da boa mesmo. Olha Paraíba, por todo esse seu cuidado em esquentar nossas batatinhas, vou deixar aqui pra você uma pequena gorjetinha, não é muito, mas é de coração.
Enquanto o Genésio provava as batatinhas cobertas por flor de sal, seu amigo Pascoal sorrateiramente colocava uma nota de cinquenta dobrada no bolso da calça do garçom…. Era o pagamento pelo tráfico.
– Disponha Senhor Pascoal, se precisar de mais alguma coisa é só me chamar.
– Tá certo meu rapaz.
– Com a sua licença.
– À vontade.
***
Genésio jamais tinha provado petisco tão saboroso, realmente valia o risco, depois que o governo impôs a restrição do sal, poder usufruir de uma iguaria como aquela era um luxo.
– Êpa, vá com calma Genésio, não vá querer enfartar aqui, calma, coma devagar…. Toma uma cerveja, se liga que isso aí não é dá comum não, são 450 miligramas lembra?
– Pascoal, tenho que admitir, é bom demais isso homem.
– Eu sei, eu sei… mas bico calado lá na repartição, não pode espalhar isso, senão, logo aqui vai estar cheio de gente querendo “esquentar” o prato, se é que me entende, ai sabe como é né? Fode com tudo, a parada só rola aqui porque é na discrição, se chamar atenção demais os homi cola e fecha tudo.
– Fica tranquilo Pascoal, nosso segredinho com certeza estará guardado. Sinceramente, agradeço pela cortesia de dividir comigo esse achado em tempos tão difíceis…
– Que é isso Genésio. Além do mais vou lhe ser sincero, não é pelo paladar que venho aqui. Isso é mais que as 450 miligramas de sódio. Isso que estamos fazendo vai além. Trata-se do nosso direito à liberdade. Quem o Estado pensa que é pra me dizer como eu devo ou não me alimentar? Quem o Estado pensa que é? Por acaso o Estado é alguma babá zelosa que me coloca num cercadinho me impedindo de andar pela casa pra não me machucar? Quem ela pensa que é? Essa senhora mimadora que me balança e me acalenta, mas quando eu choro pedindo mais comida ela me põe uma chupeta na boca dizendo que eu já comi demais… Ora mais essa! Eu quero comer um pedação de bisteca do tamanho dos peitos da Fafá de Belém. Eu quero ir na porra da lanchonete do Pereira, saca o Pereira lá, o galego?
– Sei o palmeirense.
– Pois eu quero ir lá na lanchonete daquele porco filha-da-puta e comer um puta de um X-tudo e encher aquela porra com tanta maionese como se o Vesúvio entrasse em erupção e cobrisse minhas artérias de colesterol me fodendo todinho como foi com Pompéia. Eu quero enfartar com uma porra de pizza quatro queijos derretendo sobre meu coração. Eu quero que meu fígado exploda com tanta gordura, proteína e carboidrato, e que a reação em cadeia coloque Hiroshima no saco. Eu queria ver minha pressão subir até o Himalaia com o saco de sal enorme que eu iria jogar nessas batatinhas aqui se possível… E sabe por que Genésio? Sabe por quê? Porque isso é o que faz de mim um homem livre, sem a mamãe Estado ficar me dizendo que não posso fazer porque me faz mal. Cara, desde os quatros anos que eu cago sozinho no vaso, desde os doze que meu pai me ensinou a dirigir, desde os quatorze que eu já fodia pra caralho com a Maria, a empregada que a gente tinha lá na casa dos meus pais. Puta que pariu Genésio, agora depois de velho o Estado vem meter a porra de uma lei dizendo que os restaurantes, os bares e lanchonetes não podem deixar um simples saleiro na mesa pra não causar danos à minha saúde e quem descumprir pode pagar multa de mil e trezentos paus Genésio! É o fim da picada. Quer saber? O Estado acha que pode foder com a gente. Mas enquanto houver um sentido de liberdade no homem ele jamais irá se prostrar pra uma merda dessas. Olha pra nós aqui Genésio, negociando sal com um traficante, combatendo a ditadura totalitária do Estado Babá. Nós somos John Galt e Francisco d’Anconia! Sim Genésio, nós somos John Galt e Francisco d’Anconia! Essa é a nossa revolta, a Revolta de Atlas! Ayn Rand tá se revirando no túmulo uma hora dessas de tanto rir, Genésio! Nós não nos curvaremos. Porque se hoje o Estado acha que pode decidir sobre o tempero que usamos na nossa comida, amanhã ele estará dizendo que roupa devemos vestir ou que tipo de posição sexual devemos usar pra trepar com nossas esposas, e quem trepar na posição ilegal pode ir em cana Genésio!
– Pascoal o que você diz é a mais pura verdade. Tá ligado lá na Coreia do Norte? De acordo com o jornal Telegraph, o governo de Pyongyang determina até que tipos de cortes de cabelo são considerados aceitáveis no país. As mulheres podem escolher entre 14 estilos sancionados pelo Estado. As casadas são instruídas a manter seus cabelos mais curtos, enquanto as solteiras podem ousar um pouco mais, optando por cabelos de comprimento mediano e até um pouco ondulados. Os homens têm dez opções de cortes e são proibidos de manter o comprimento do cabelo acima de cinco centímetros. O regime é um pouco mais “leniente” com os mais velhos, permitindo que eles tenham madeixas de até 7 cm. Mas recomenda que os homens cortem o cabelo a cada 15 dias.
– Aquele Kim Jong-un é um filha da puta mesmo Genésio!
– É o nosso Admirável Mundo Novo!
– Sabe Genésio, hoje nós vamos ostentar… Paraíba chega mais, traga outra cerveja e mais uma porção de batatinhas, e uns bolinhos de bacalhau também, ah, e não esquece: a gente gosta bem quente…
– Pode deixar Senhor Pascoal – disse o garçom ajeitando mais outra nota de cinquenta que o Pascoal colocou em seu bolso de forma sorrateira.
Ao sair, o garçom, que deixara os dois amigos conversando descontraidamente, não havia percebido uma visita inesperada…
***
– Atenção! Atenção! Todo mundo quietinho somos do DIH (Departamento de Investigação Hipertensiva), recebemos uma denúncia anônima de que nesse estabelecimento está ocorrendo um comércio ilegal de sal. Todos em seus lugares que vamos averiguar. Sargento Feghali, pente fino no perímetro!
– Sim senhor. Vamos lá, todo mundo encostando naquela parede, isso aí…
O Sargento Feghali e seus homens deram uma geral no lugar, incluindo clientes e funcionários. Cada centímetro foi meticulosamente analisado. O pessoal do DIH tinha um instrumento próprio para medição do teor de sódio da comida, era um aparelho tão sofisticado que podia até medir o nível de cloreto de sódio no sangue das pessoas, era o sodiomêtro…
– Aqui nesse gordinho careca da Kaiser, me traz o sodiomêtro Sargento Feghali.
– Sim chefe.
– Então?
– Tudo limpo com ele chefe.
– Você gordinho pode ir e pega leve no chope caso não queira ser autuado.
O gordinho saiu abraçado com seu filho no colo. E a inspeção continuou chegando até o Pascoal e o seu amigo. Nessa altura o Genésio já estava se cagando todo.
– Puta que pariu Pascoal, eu falei que ia dar merda…
– Bico fechado Genésio…
– Você! Mete a boca aqui no sodiomêtro.
– Não. Eu me recuso a colaborar com essa palhaçada.
– Como é? Ou você mete a porra da tua boca aqui agora ou será preso por desacato.
– Pois que prenda a mim e ao meu amigo. Nós não vamos nos submeter a isso!
– Que é isso Pascoal… O moço pode nos prender… se você não quer tudo bem, mas me deixe fora disso. Me dá aqui senhor esse aparelho que eu faço o teste.
– Faz porra nenhuma Genésio, você não pense em abandonar o barco agora. Nós Somos John Galt e Francisco d’Anconia! Somos John Galt e Francisco d’Anconia!
Vendo a confusão que se formava com os gritos do Pascoal incitando uma revolta no restaurante, o chefe da operação que já algemava o Paraíba, pego com 5 frascos de flor de sal e mais 25 sachês de sal de cozinha refinado, além de um pacote com 1kg de sal grosso contrabandeado pra ser posto nas picanhas dos clientes, chegou no meio daquele alvoroço todo dando voz de prisão aos responsáveis pela baderna instaurada.
– Você é John o caralho! Tá em cana! Leva esses dois salezeiros safados pro xilindró junto com aquele traficantezinho ali, o garçom. A coisa aqui é grande Sargento Feghali, ganhamos o dia…
– Sim senhor.
– Falei que ia dar merda Pascoal!
– Vai se foder Genésio!
Mesmo sendo réu primário, o Paraíba pegou seis anos de prisão por tráfico de sódio, em regime fechado, podendo ir para o semiaberto a partir de dois anos de bom comportamento. Pascoal e Genésio, como eram apenas usuários, a justiça determinou que fossem encaminhados para uma clínica de desintoxicação de sódio, após noventa dias de tratamento foram considerados curados e liberados para retornar à sua vidinha cotidiana. Durante o tratamento tiveram que prestar serviços comunitários como limpeza de via pública e dar palestras em escolas sobre os males do consumo exagerado de sal.
O leitor pode achar essa história meio maluca, mas vou lhes dizer. Nem tudo aqui escrito é ficção. De fato em junho de 2015, foi sancionada uma lei estadual no Espírito Santo que proíbe que bares, restaurantes e lanchonetes mantenham saleiros e sachês nas mesas, começando a valer no mês de julho do mesmo ano. A intenção, segundo o Estado, é evitar o consumo excessivo de sal. E em caso de descumprimento, os donos dos estabelecimentos serão multados em mais de R$ 1,3 mil.
É minha gente, a vida imita a arte e a arte imita a vida… Who is John Galt?
a inspiração para a história:
- http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/05/restaurantes-do-es-sao-proibidos-de-deixar-sal-em-mesas-partir-de-julho.html
- https://www.youtube.com/watch?v=2bpjzZjmsTM
Se gostou dessa crônica, ela é parte integrante do livro AS CRÔNICAS DO ESTADO BABÁ, uma obra recheada de textos de ficção que denunciam o paternalismo brasileiro. O livro impresso pode ser comprado nesse link: http://www.editoraatlante.com.br/pd-56ec22-as-cronicas-do-estado-baba.html?ct=&p=1&s=1
No formato e-book, ele está disponível no site da Amazon, nesse link: https://www.amazon.com.br/AS-CR%C3%94NICAS-DO-ESTADO-BAB%C3%81-ebook/dp/B07C76DMRL?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&keywords=clayton+de+souza&qid=1524676961&sr=8-1-fkmrnull&ref=sr_1_fkmrnull_1
* Direitos autorais reservados ao autor: Clayton de Souza através da Editora Atlante.
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