Por Cláudio Lins de Vasconcelos (trecho do livro “Mídia e Propriedade Intelectual: A Crônica de um Modelo em Transformação“, pp. 195-196, nota 69)
A frase “there ain’t no such thing as a free lunch”, também conhecida nos países de língua inglesa pelo acrônimo TANSTAAFL, é uma forma popular de resumir o conceito do “custo de oportunidade”, que significa que tudo no mundo econômico (ou seja, tudo cujo acesso é de alguma forma limitado) tem um custo, mesmo que pago por terceiros. A frase em si é frequentemente (e erroneamente) atribuída ao economista norte-americano Milton Friedman, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1976. Friedman de fato lançou, em 1975, um livro com o título “There’s No Such Thing as a Free Lunch”, mas a essa altura a frase já havia sido publicada algumas vezes.
Gary Martin diz que a frase tem suas origens remotas na segunda metade do século XIX, em seu sentido literal. Era, então, comum, nos EUA e também na Inglaterra, que restaurantes oferecessem a seus clientes um “almoço grátis”, desde que comprassem as bebidas. Martin conta que muitas empresas foram criticadas (e mesmo processadas) por “propaganda enganosa”, uma vez que o preço da bebida obviamente incluía o da refeição. A partir daí a frase parece ter se incorporado à cultura popular anglo-saxã, tornando-se um adágio.
O primeiro registro escrito da frase, segundo Fred R. Shapiro, é encontrado em um artigo de 22 de janeiro de 1942, do Reno Evening Gazette, que criticava o plano do então vice-presidente dos EUA Henry Wallace para a ordem econômica do pós-guerra, fortemente calcado no conceito do estado de bem estar social. Dizia o artigo: “Mr. Wallace neglects the fact that such a thing as a ‘free’ lunch never existed. Until man acquires the power of creation, someone will always have to pay for a free lunch.” Em 1949, a frase tomaria sua forma definitiva no livro “Tanstaafl: A Plan for a New Economic World Order”, de Pierre Dos Utt. Shapiro lembra que, também em 1949, o jornalista Walter Morrow, do The San Francisco News, publicou a frase, com essa mesma forma, em uma nota de humor em que criticava a política de Wallace.
Robert Heinlein, um dos expoentes da literatura de ficção científica norte-americana, imortalizaria a frase no romance The Moon is a Harsh Mistress, de 1966, onde o acrônimo TANSTAAFL foi o grito de guerra dos colonos lunares (a Lua é, no romance, uma colônia penal) que, liderados por um supercomputador, se revoltam contra os colonizadores do planeta Terra. O romance foi um imenso sucesso de público (pelo júri popular, ficou em 15º lugar na lista dos 100 melhores romances de todos os tempos, organizada, em 2007, pela editora The Modern Library, uma das mais tradicionais dos EUA, com o que os críticos em geral não concordam).
Quando Friedman escreveu seu livro, a obra de Heinlein era a principal referência à então já famosa frase. Como em Morrow e Heinlein, a frase sintetiza, em Friedman, uma postura liberal, basicamente refratária à intervenção do estado na sociedade. A abordagem de Heinlein, no entanto, é mais política do que econômica, revelada nas ideias anarquistas de um dos principais personagens da trama, o professor Bernardo de La Paz. Já para Friedman, o adágio resume o ideário capitalista ortodoxo do laissez-faire, base da política econômica de Ronald Reagan (de quem foi conselheiro) e Margaret Thatcher, entre outros.
Fontes:
SHAPIRO, Fred R. Quote . . . Misquote. The New York Times (21 de julho de 2008). Disponível em http://www.nytimes.com/2008/07/21/magazine/27wwwl-guestsafire-t.html.
MARTIN, Gary. The Phrase Finder. Entrada “There’s no such thing as a free lunch”. Disponível: http://www.phrases.org.uk/meanings/tanstaafl.html.
Para a lista da The Modern Library, cf. THE MODERN LIBRARY. 100 Best Novels. Disponível em http://www.randomhouse.com/modernlibrary/100bestnovels.html.
Para as referências originais, cf. DOS UTT, Pierre. TANSTAAFL: A Plan for a New Economic World Order. Canton, OH: Cairo Publications, 1949. HEINLEIN, Robert A. The Moon Is a Harsh Mistress. New York: Tom Doherty Associates, 1966. FRIEDMAN, Milton. There’s No Such Thing as a Free Lunch. Chicago: Open Court Pub, 1975.
- reprodução integral do artigo: https://direitoemidia.wordpress.com/2010/09/10/leitura-de-fim-de-semana-a-origem-da-frase-nao-existe-almoco-gratis/
No responses yet