O problema da “Burrocracia” no Brasil

Já há algum tempo pensei em escrever sobre a burocracia, mas vinha evitando por razões que não caberiam nesse breve artigo. Contudo, há uns 20 dias, me veio uma ânsia em parar de fugir desse tema por conta de uma simples piada que vi num filme obscuro de 2005: “Um Som do Trovão”, baseado num conto de Ray Bradbury, autor do cult “Fahrenheit 451” – se não conhece a obra por favor leia esse artigo que escrevi há quase um ano atrás:  https://direitasergipana.wordpress.com/2017/04/30/distopias-delirios-da-esquerda-na-ficcao/.

Voltando ao “Som do Trovão”, o filme em questão fala dos perigos da viagem no tempo. O enredo, tanto no filme quanto no conto, é basicamente o seguinte :

“Em 2055, voltar ao passado da Terra já é possível. Uma empresa de entretenimento, a Safari in Time (Safari no Tempo), torna a viagem temporal um grande negócio onde as pessoas podem apreciar uma caçada jurássica. Para evitar um paradoxo temporal, eles agem com muito cuidado deixando o curso dos acontecimentos intacto, visto que mesmo uma alteração mínima pode causar mudanças gigantescas no futuro. Sendo assim, foi escolhido um dinossauro que já estava no fim de sua vida (há 65 milhões de anos) como único alvo da caçada, ensaiada e repetitiva. Os viajantes só podem abater esse animal que iria morrer em breve, e não podem sair de uma trilha demarcada, que flutua acima do solo. Nenhum objeto pode ser removido do passado, e a única recordação permitida é uma foto do caçador ao lado do monstro morto. E isso permanece até que num desses safáris, um dos caçadores pisa em uma borboleta, e, voltando ao futuro, o vê completamente mudado, criando um paradoxo temporal. As consequências deste pequeno gesto começam a ser sentidas no futuro, quando algumas mudanças nas formas de vida do planeta ocorrem, no início moderadas, e depois cada vez mais radicais, após sucessivas ondas temporais”.

Em uma determinada cena do filme, Charles Hatton (interpretado por Ben Kingsley), proprietário da Safari in Time discuti com um fiscal do governo a cerca do problema temporal, quando este diz que o governo irá intervir assumindo as operações da empresa detentora exclusiva da tecnologia da viagem no tempo, Charles Hatton comenta com seu funcionário Travis Ryer (Edward Burns): “Devemos impedi-los… eles são burocratas, se caírem de uma janela levarão uma semana para atingirem o chão.” Um pouco antes Charles Hatton já tinha dito ao fiscal do governo que: “A história não é uma luta de classes, é uma luta de visão…”

Claro que Charles Hatton não é um idealista, no filme, ele nada mais é do que um cara tentando ganhar dinheiro com uma tecnologia que ele financiou. Todavia, essas duas citações foram essenciais para que eu parasse de enrolar e finalmente tocasse no assunto da burocracia.

A burocracia é a filosofia do atraso, da morosidade, é antimeritocrática, é paternalista e irracional. Por isso que intitulei esse artigo chamando-a de “burrocracia”. Sim, caro leitor, se Cazuza não fosse tão esquerdista caviar, certamente colocaria como refrão de um dos seus maiores hits o seguinte verso: “A burocracia fede”. Afinal, os pobres são bem mais prejudicados pela burocracia do que pela “burguesia”. Como disse Charles Hatton: “A história não é uma luta de classes, é uma luta de visão…”

Veja por exemplo algo que se passa na minha cidade, Tobias Barreto, um fim de mundo no interior de Sergipe, beirando os 60 mil habitantes. Um colega meu, funcionário público da área de saúde, mais precisamente agente de endemias, me relatou certa vez que ele precisou fazer uso próprio de um medicamento fornecido pelo SUS através dessas farmácias estatais que praticamente todo município tem. O cidadão chega lá com uma receita fornecida pelo médico do SUS e se tiver o medicamento em estoque ele pode levar sem ter que comprar em uma farmácia privada.

Pois bem, meu amigo foi até esse local e pegou uma fila imensa só pra que sua receita recebesse um carimbo, em seguida teve que ir até o final de outra fila imensa que ficava exatamente ao lado de onde ele foi atendido para, vejam só, mostrar a receita carimbada, para um sujeito que estava ao lado de quem carimbou para que este lhe entregasse o tal medicamento. Sei que parece insano, mas sim, isso ocorreu ano passado. São duas filas um ao lado da outra. A primeira é a do carimbo e a segunda é a vistoria do carimbo para entrega do medicamento. Agora que coisa não? A prefeitura paga um sujeito só pra carimbar e outro só pra ler o carimbo feito ao seu lado, quando um único sujeito poderia executar as duas tarefas otimizando o serviço. Eis aí a diferença do setor público para o setor privado. Eis aí a cultura do concurso público. Eis aí a filosofia do grevismo. Eis aí aquilo que Marx chamou de “exploração do trabalho” e que seus asseclas elevaram ao conflito de classes, que como vimos nas palavras do personagem Charles Hatton (mesmo não sendo uma figura heroica) sabemos que não existe tal luta, mas sim uma luta de visão.

Mas, afinal de contas, o que motiva o setor público a ser burocrático? Bem para isso recorro a Mises, em seu excelente livro: A Mentalidade Anticapitalista. Vejamos:

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2 – Cf. Lenin, State and Revolution (Little Lenin Library, nº 14, publicado por International Publishers, New York), pp. 83-84.

Ou seja, Mises constata que a burocracia é um fenômeno de falta de preparo. Logo, cai bem a denominação de “burrocracia” para definir a filosofia burocrata. Para tal trabalhador, falta uma inteligência básica para demandar uma tarefa. Sendo preciso passá-la por muitos sujeitos inúteis para que seja realizada. E assim como na brincadeira infantil do “telefone sem fio”, quando de boca em boca é transmitida uma informação, ela vai se fragmentando, podendo chegar, inclusive, incompleta ao seu destinatário.

É a burocracia que impede que uma ponte seja construída ligando A até B, muitas vezes no meio do caminho o ponto A, para que chegue até B precisa passar por um ponto X, antes nunca pensado, tudo porque um burocratazinho que baba na gravata* achou que podia fazer jus ao seu salário. E aí surge mais um tempo repensando o projeto inicial, estourando o orçamento, etc e tal. E mais uma vez citando o inescrupuloso, porém realista, Charles Hatton que se referiu ao fiscal do governo da seguinte forma: “Você poderia ter pensado grande, mas não consegue porque você tem o cérebro do tamanho de uma ervilha, você só fez isso porque acha que pode…”

Claro que a burocracia não se resume a inaptidão cognitiva, ela também é uma forma de gerar um cabide de empregos para os donos do poder e seus escravos. A cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores públicos, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dados de 2016. Apenas no âmbito federal, o Brasil conta com 2,2 milhões de funcionários, 250 mil a mais que há 10 anos — alta de mais de 10%. No mesmo período, a despesa anual com esses servidores saltou de R$ 115 bilhões para R$ 264 bilhões, um aumento de 129%. As informações são do Boletim Estatístico de Pessoal, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Já a quantidade de servidores municipais chegou a 6,5 milhões em 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Estamos cheios até o talo de serviços de inutilidade pública, como o sujeito que carimba para o outro ao lado ver se o carimbo está bonito só pra liberar um remédio. É esse tipo de merdinha que faz greve, que tira folga até no dia da árvore, que trabalha menos de oito horas por dia, e depois vai pra rede social denunciar o preço do botijão de gás sem se dar conta que ele é a raiz do custo Brasil.

Isso é claro reflete na nossa produtividade. Ninguém procrastina mais nesse país do que o funcionário público. O Brasil é o 7º colocado em número de feriados no mundo, (segundo estudo da consultoria Mercer). Ninguém faz mais greve fomentada por um sindicalismo tacanho do que o funcionário público. Temos excesso de sindicatos 16.431 segundo o Ministério do Trabalho, sendo 11.257 de trabalhadores. Veja um pequeno exemplo da nossa produtividade:

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Pra finalizar, gostaria de deixar aqui a melhor definição do que é ser um “burocrata” na palavras do grande Nelson Rodrigues:

*“Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.

[Até o século XIX] o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais se atreveu a mover uma palha, ou tirar uma cadeira do lugar. Em 50, 100 ou 200 mil anos, nunca um idiota ousou questionar os valores da vida. Simplesmente, não pensava. Os “melhores” pensavam por ele, sentiam por ele, decidiam por ele. Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobriram que são em maior número e sentiram a embriaguez da onipotência numérica. E, então, aquele sujeito que, há 500 mil anos, limitava-se a babar na gravata, passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente etc. houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas.”

 

**Ah sim, o filme não é muito bom, mas quem quiser ler o conto “A Sound of Thunder” (bem melhor), com texto original em inglês, está aqui o link em pdf que pode ser visualizado no navegador:

http://www.ws.k12.ny.us/Downloads/A%20Sound%20of%20Thunder.pdf

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